segunda-feira, 28 de março de 2011

Ponto de Vista



Existem pessoas que vem ao mundo só para sofrer? Aparentemente sim.
Mas, que fique bem entendido: só aparentemente.
Um dia desses quase fui persuadido pela força desse engano. Aconteceu quando observei uma pessoa muito próxima a mim deitada no sofá de sua casa. Era uma senhora muito querida, mas que já passou por coisas que só uma verdadeira cristã poderia suportar e perdoar aqueles que a fizeram sofrer. Ela estava lá, deitadinha, enrolada num lençol, naquele sofá velho, magrinha como ela só. Sabedor de todos os sofrimentos pelos quais ela já havia passado comecei a conjecturar:
-Coitada, veio ao mundo só para sofrer. E um a um os problemas da mesma foram se enfileirando em meus devaneios. Como os amigos de Jó, indagava o motivo de tudo isso: qual o sentido de se sofrer assim? Havia alguma finalidade nisso?

Ainda tomado por esse estado mental, lembrei que uma vez um parente meu se dirigiu a mim com a seguinte frase: "você não viveu, passou pela vida" Detalhe: ainda não havia completado 30 anos! Era como eu só tivesse colecionado fracassos e nunca produzisse nada de concreto, de duradouro. Na hora eu repudiei aquela opinião a meu respeito. Eu não era só uma vítima passiva do destino, longe disso. Poderia não estar realizado financeiramente, que era o foco de seu diagnóstico, mas havia realizações na esfera do "espírito", no mundo do conhecimento, das boas amizades...

De repente, voltei ao planeta terra e me vi novamente naquela sala humilde, próximo aquela pessoa querida. Como um estalo, cheguei a uma conclusão: eu não estaria usando o mesmo princípio, as mesmas categorias para julgar a vida dessa pessoa? Não estaria focando só um aspecto de sua existência e desconsiderando outros? Não estaria usando uma "chave hermenêutica" inapropriada para interpretar uma vida humana, uma vivência?

Longe de ser uma desculpa para perdedores, essa visão é mais profunda e tende a ser mais acertada do que a anterior. Onde eu vejo sofrimento ela talvez veja abnegação, onde eu vejo pobreza ela pode ver simplicidade, onde eu vejo falta de perpectiva ela pode ver falta de ansiedade.

Temos de levar em consideração a vida interior do ser humano, perceber o ser antes do ter. Isso não implica em dizer que devamos parar de lutar por nossos objetivos (ideais) e não nos esforçar para melhorar a cada dia, materialmente inclusive. Todas essas coisas em si mesmo não são pecados. Mas não podemos fazer desses desejos legítimos o principal objetivo de nossas vidas. Não podemos fazer do dinheiro um ídolo de papel ou metal. E não devemos julgar quem assim não procede e taxá-los de preguiçosos, vítimas de si mesmos, covardes ou perdedores. Acredito, hoje, que existam pessoas muito felizes mesmo em meio à pobreza muito grande, ao passo que existem ricos que deixam verdadeiras fortunas no analista e após anos ainda são infelizes.

Talvez essa pessoa de quem estou falando seja a pessoa mais feliz do mundo, ou talvez não. Mas, quem pode saber? Quem pode medir um sentimento tão pessoal e tão subjetivo? Seja como for, não posso deixar de constatar que essa pessoa, apesar das vissitudes nunca perdeu a esperança, que é parente próximo da felicidade.